25.10.05

Banjos

É uma rua de New Orleans. Ou melhor: é como eu imagino que seja uma rua de New Orleans, já que nunca estive lá. Numa esquina, dois pretos fazem um duelo de banjos. As cordas de um formulam a pergunta, o outro faz vibrar a resposta. A discussão instrumental se inflama, as vozes dos banjos se misturam, por um instante forma-se uma cacofonia insuportável. Depois os dois voltam a tocar como no começo: cordas discutindo sob as ordens de longas unhas amareladas.
— Ding-deng-deng-ding-dong-deng-ding-téeeeeeeeein? — pergunta um.
— Téeeeein-ding-téin-dong-deng-ding-ding-doooooong! — responde o outro.
Lá pelas tantas, um menino ranhento junta-se aos músicos. Sapateia na calçada enquanto briga com os calções, que teimam em escorregar para baixo. O garoto nota minha presença e vem sapateando na minha direção.

Começo a acordar. Noto primeiro as janelas lá em cima. Deitado no chão, como estou, o lugar parece absurdamente alto. A luz que vem daquelas janelas longínquas é a única do ambiente. Não sei onde estou, mas definitivamente não é New Orleans. Na outra ponta do galpão, dois chineses discutem:
— Ding-deng-deng-ding-dong-deng-ding-téeeeeeeeein? — pergunta um.
— Téeeeein—ding-téin-dong-deng-ding-ding-doooooong! — responde o outro.
Um terceiro chinês, de óculos escuros, terno de linho, sandálias de couro e bengala branca vem na minha direção. Bate a bengala de um lado e de outro, e parece acompanhar com ela o ritmo da discussão de seus companheiros. Ele pára quando sua antena branca detecta o obstáculo que sou eu estirado no chão, dolorido e ainda meio zonzo. Ele se agacha.
— Rapaz — diz ele sem qualquer sotaque, o que me decepciona um pouco, — você devia ter ficado quieto no seu canto.
A expressão no rosto do chinês é de pesar verdadeiro quando ele saca a pistola e a aponta para o meu peito. Lá no fundo os banjos se calam. Eu fecho os olhos e espero o disparo.